GRANDES PERÍODOS DA VIDA DE FRANCISCO DE ASSIS
Por Frei Almir Guimarães
Temos o costume de consultar textos que fazem a cronologia
da vida de São Francisco. Muitos livros sobre o Poverello apresentam
fatos e acontecimentos ano após ano, desde o nascimento até a morte.
Cesare Vaiani, OFM (Storia e teologia dell’esperienza spirituale di
Francesco d’Assisi, Edizioni Biblioteca Francescana, Milano) em obra
erudita faz a mesma cronologia, mas regrupada em grandes períodos. No
fundo ajunta fatos e feitos em nítidos “capítulos” da história do
Poverello, fases de sua vida. Apresentamos o trabalho em duas vezes.
1. Juventude ( 1181-1205)
– Francisco cresce no meio da juventude de Assis. Estes são os anos da
formação de seu caráter: pessoa alegre, brilhante, gosta de participar
de festas com seus amigos. Exerce uma profissão: trabalha com o pai
Pietro Bernardone, na loja de tecidos. Tendo viajado à França, aprende a
língua francesa. Nos momentos de alegria servir-se-á deste idioma para
exprimir sua alegria. Aprende a ler e escrever o latim. Participa do
ambiente político e militar vivido por Assis. Toma parte numa batalha, é
feito prisioneiro e, por fim, cai enfermo. Este período pode ser
considerado como uma unidade. Dele possuímos informações genéricas.
Nesse tempo, o jovem Francisco ainda não havia encontrado sua
identidade.
2. A conversão (1205-1208)
– Nesse período de sua “conversão”, Francisco muda de vida e se torna
penitente. Os episódios deste período são, de modo particular, aqueles
ele mesmo menciona em seu Testamento: o encontro com o leproso, a oração
nas igrejas e o encontro com o Crucifixo de São Damião. Tudo indica que
neste período Francisco está sozinho em sua busca.
3. A primeira fraternidade (1208-1216)
– A Francisco se unem irmãos de diferentes estratos sociais. O
crescimento interior de Francisco se fez em função da experiência
positiva e criativa da fraternidade. O período é constituído pelos “anos
mágicos” das origens da experiência fraterna. Francisco e seus
primeiros companheiros nunca se esquecerão desse tempo. O período em
questão pode ser caracterizado pela chegada dos irmãos que dão
nascimento e vida à Fraternitas. Os irmãos que foram chegando
constituíam, no dizer de Francisco, um dom do Senhor, presente
inesperado. Trata-se de um elemento fundamental para que possa elaborar o
projeto de vida. Este vai sendo delineado aos poucos. Os momentos
importantes do surgimento da Fraternitas são os capítulos,
reuniões de todos os irmãos que tinham lugar uma vez ao ano. Neste
período não sai da cabeça de Francisco o ideal do martírio. No final dos
anos aqui mencionados começam a surgir os primeiros problemas com o
vertiginoso crescimento do grupo.
4. Expansão da Fraternitas e primeiras dificuldades (1217-1219) – A Fraternitas
já se apresenta numerosa. Foi se transformando com a chegada dos irmãos
“letrados” nos anos 1215/1216. Por ocasião do Capítulo de 1217, a Fraternitas
passa a ter uma nova organização com a instituição dos “ministros
provinciais” e com a estruturação em “províncias”. Começa a expansão
além dos Alpes com uma primeira expedição mal constituída ou formada e a
presença ultramarina melhor sucedida. Francisco encontra-se com Cardeal
Hugolino que começa a intervir na Fraternitas, que aos poucos vai constituir-se em Religio/Ordo. Nesse período, registra-se a primeira intervenção oficial do Papa (Bula Cum dilecti, 11 de junho de 1218) que pode significar o surgimento de alguns problemas na Fraternitas/Religio.
Se não houvesse problemas, tal Bula não teria sido escrita. Este
período distingue-se do precedente pelo surgimento dos primeiros sinais
de organização, pela expansão numérica e qualitativa e pelas primeiras
intervenções da autoridade romana.
5. Oriente (verão de 1219-verão de 1920) -
Francisco está no Egito, no acampamento dos cruzados. Depois do
Capítulo de 26 de maio de 1219, no final do qual se decidiu o envio de
irmãos para além dos Alpes, Francisco, por sua vez, parte para o
Oriente. Entre as razões para esta viagem pode-se supor a permanência do
desejo do martírio, a vontade de pôr em prática determinações do
Capítulo que queria enviar os frades em missão, fora da Itália.
Poder-se-ia se questionar também se não se tratava de uma fuga dos
crescentes problemas assinalados no período anterior. A permanência no
Oriente, ocasião em que Francisco contrai uma dolorosa enfermidade das
vistas, parece ter sido uma experiência de grande importância em seu
percurso e se apresenta como divisor de águas em seu caminho.
Aproxima-se ele de um mundo distinto da christianitas onde
sempre vivera, mundo fortemente religioso no contexto islâmico. Trata-se
de uma experiência de caráter internacional, de modo especial no
acampamento dos cruzados onde haviam pessoas de diferentes
nacionalidades.
6. Retorno e pedido de demissão (setembro 1220) -
Tendo sido chamado por alguns frades, ele mesmo muito preocupado com os
problemas da Ordem, Francisco volta à Itália no verão de 1220. Obtém do
Papa a determinação de que o Cardeal Hugolino venha a ser o protetor da
Ordem e no Capítulo de São Miguel (29 de setembro de 1220) apresenta
sua demissão.
Não estamos diante de um período, mas de um fato preciso e datado. A
razão se explica pela mudança ou transformação que se verifica no
relacionamento de Francisco com a fraternidade. Não se pode esquecer o
peso “institucional”. Juridicamente, Francisco continua sendo referência
para a Cúria Romana, como se verifica pelo fato de que ele elabora a
Regra e busca sua aprovação. A demissão é vivida pessoalmente por ele
como afastamento do governo da Ordem. Mostram-no suas inequívocas
afirmações em Escritos datados desta época.
7. Anos de provação e de apostolado (1220-1224) -
Aparecem dois elementos aparentemente contraditórios: de um lado uma
atividade evangelizadora intensa, documentada em suas cartas circulares
e, de outro lado um certo isolamento da Ordem como consequência de sua
demissão. Fala-se de uma “crise” de Francisco. Algumas fontes
assinalam-na como gravíssima tentação do espírito, que teria durado dois
anos e o afastado dos irmãos. Embora aparentemente contraditórios os
dois elementos caminhavam paralelamente. Repetimos: Francisco, depois de
1221 dedica-se ao trabalho de reelaboração da Regra que desembocará na
Regra bulada de 1223, contando com a assistência do Cardeal Hugolino e
provavelmente de alguns frades. Nesse labor, Francisco é contrariado
pelo grupo dirigente da Ordem. Manifestam-se sintomas do avanço de
enfermidades (fígado e estômago, além da doença das vistas). No período
em questão emerge um Francisco que sofre no corpo e na alma. No final
desse período situa-se o episódio de Greccio, a celebração do Natal
(1223).
8. Os estigmas (setembro de 1224, no alto do Monte Alverne) -
Aqui não se trata de um período, mas de fato singular. No âmbito de
toda a trajetória de Francisco a estigmatização deixa marca profunda.
Segundo Cesare Vaiani não se pode deixar de colocar o fato nessa
“periodização” da vida de Francisco. O estigmas não constituem o centro
da vida e da experiência de Francisco para o qual convergiria, como
parecem crer alguns de seus biógrafos. O episódio coloca-se na esteira
de todo um labor espiritual do Poverello e, quem sabe, se poderia dizer
que os estigmas seriam uma resposta de Deus ao que Francisco estava
vivendo. Depois do Alverne ele conhecerá a paz da cruz.
9. Os dois últimos anos (1224-1226)
– Francisco vive cercado de alguns poucos companheiros que dele cuidam,
protegem e, de certo modo, isolam-no da Ordem. Durante a estadia de
cinquenta dias em São Damião, na primavera de 1225, dita o Cântico do
Irmão Sol. Tem vontade de se ocupar novamente dos leprosos, como no
começo, realiza um giro de pregações. O Testamento prova que mesmo
demissionário não deixou de cuidar dos irmãos. No atual período,
Francisco está muito doente e um pouco isolado.
10. A morte (3 de outubro de 1226) – Nas primeiras vésperas do domingo 4 de outubro, Francisco morre na Porciúncula, deitado na terra nua.